
Acordei segura de que seria um dia especial. Sentia-me empolgada e tinha certeza de que esse ânimo impulsionaria o meu dia, como se fosse um combustível aditivado. Há quinze dias não me sentia assim, desde que rompi minha relação com meu namorado, um homem que, sem eu perceber, consumia minhas energias e anulava minha personalidade. Finalmente, conseguira me livrar das lembranças do que havia sido nossa relação, e essa libertação me motivava a seguir adiante.
A ansiedade que sentia por imaginar o que aconteceria ao final daquele dia atrapalhava a minha concentração. Era cedo para seguir para o local do encontro, pelo qual ansiava com fervor. Sabia que não seria um dia normal. Precisaria empenhar-me nas tarefas programadas para aquela manhã. Com muito esforço, tentava evitar olhar o relógio. O tempo parecia estacionado em minutos que não avançavam.
Por fim, a tarde chegou, trazendo consigo o nervosismo gerado pela proximidade do horário. No almoço, escolhi alimentar-me com algo leve o suficiente para não pesar o meu estômago, e forte o bastante para manter minha energia. Assim, consegui atravessar as morosas horas prévias ao compromisso.
Tomei um banho quente e prolongado, coloquei uma roupa especial e perfumei-me. Sequei e escovei os cabelos, criando mechas encorpadas. Fiquei pronta antes do previsto, mas a antecedência não me deteve. Arrumei a desculpa perfeita para sair logo de casa. Precisava abastecer o carro e sabia que havia um posto de gasolina no caminho para onde me destinava.
Para a minha surpresa, o trânsito era melhor do que imaginava. A obra que por meses atravancou o caminho estava por ser finalizada, e o fluxo de veículos fora liberado em mais uma via, antes interrompida. Assim que fiz a curva para entrar na avenida do posto de gasolina, a mesma do local do encontro, meu coração acelerou.
Ao me aproximar do acesso à gasolineira, acionei a seta para a direita, indicando a minha intenção de entrar no local. Mas, para minha falta de sorte, um carro esportivo e luxuoso, daqueles que só vemos em filmes de Hollywood, meteu-se repentinamente à minha frente, entrando antes do que eu. A grosseria do motorista me fez recordar meu ex, e a sua pretensão em achar que o mundo girava ao seu redor.
O ruído da potente máquina chamou a atenção dos frentistas e dos clientes, além de outras tantas pessoas que circulavam pela região. Parei o meu carro na única bomba disponível, a que compartilhava o funcionário com o motorista presumido. Que péssima ideia aquela, pois pude notar a distração do atendente, que só tinha olhos para o vizinho. “Já lhe atendo, senhora”, disse o rapaz sem desviar a atenção do veículo cor de gema de ovo. Sabia que suas palavras não corresponderiam aos seus atos, suas atitudes o denunciavam ao prestar um atendimento prolongado para manter o carro esportivo o maior tempo possível sob seus cuidados.
Enquanto aguardava, olhei para o relógio no painel do veículo e me despreocupei ao perceber que ainda havia tempo suficiente. Logo em seguida fui atendia, no exato momento em que o carro hollywoodiano acelerava, cantando os pneus.
Levei menos de cinco minutos para chegar ao shopping. Cada metro percorrido no trajeto me enchia de felicidade por finalmente poder ter aquele encontro. Meu fluxo sanguíneo aumentado fazia minhas têmporas latejarem, refletindo o meu nervosismo.
Estacionei o carro e caminhei com tranquilidade. Tentava dissimular minha ansiedade. Tinha a impressão de ser observada pelas pessoas ao meu redor. Sentia que me recriminavam pelo que estava a ponto de fazer. Tentei não deixar que esses julgamentos atingissem meu humor e atrapalhassem meus planos. Subi as escadas rolantes e entrei no saguão principal das salas de cinema.
Me dirigi ao guichê de compras e indiquei o filme que previamente havia escolhido. A atendente sorriu e me perguntou de quantas entradas precisaria. Olhei para os lados, tratando de garantir que apenas aquela moça me escutaria, e respondi com confiança que seria apenas um ingresso. Comprei uma porção de pipocas e um refrigerante e caminhei até a entrada da sala indicada. Acomodei-me confortavelmente na poltrona reclinável e estava pronta para aproveitar o encontro comigo mesma.
Um programa que não fazia há tempos, desde que conhecera meu ex, que, apesar de dizer que gostava de mim, recriminava-me pelo simples fato de eu amar a minha própria companhia. Por fim, depois de tanto tempo, sentia-me bela, feliz e muito bem acompanhada.

Assista o o vídeo do conto narrado no Youtube:
Muito bom o conto! Uma narrativa surpreendente e elegante para o velho ditado “antes só do que mal acompanhada”. Adorei!!!
Bjs
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Muito bom. Criar a expectativa no leitor . Vamos ao próximo .
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Mto bom conto, mas frustrante. Não podia a pobre moça ser agraciada com
Um encontro com o motorista do carro cor de ovo, que lhe tirou a vaga no posto de gasolina?na porta do cinema já seria ótimo p “ acertar as co tas”
Fui levada a essa expectativa, claro
Mto bom!
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