
A notícia da mudança de país pegou Radhika de surpresa. Com quase cinquenta anos, ela trabalhava e vivia tranquilamente na cidade de Chennai, na Índia. Mas um dia, ao chegar do trabalho, seu marido trouxe a novidade que a tiraria de sua zona de conforto. Uma proposta de trabalho tentadora, uma oportunidade única para viverem do outro lado do planeta. Apesar da distância da Índia e das diferenças culturais, eles não tiveram dúvidas de que a experiência seria enriquecedora. O filho mais velho já havia saído de casa. O mais novo ainda vivia com os eles, mas se preparava para voos solos, pois cursava o seu último ano de colégio.
Assim que chegou à nova cidade, onde viveria pelos próximos anos, no México, precisou encarar uma nova realidade. Os filhos, praticamente adultos, já não demandavam atenção diária, o marido constantemente se ausentava em longas viagens a trabalho e ela, uma mulher que sempre fora independente, passou a viver uma enorme sensação de vazio. Sentia-se inútil.
Algumas semanas após a sua chegada, conheceu uma organização voltada para apoiar mulheres estrangeiras, a qual as ajudava em suas adaptações no novo país. Radhika não pensou duas vezes antes de se unir a elas. Sentia uma tristeza inexplicável e precisava, desesperadamente, fazer novas amizades.
Em uma manhã, ela se preparou para o primeiro encontro do grupo. Depositara suas esperanças em conhecer pessoas que poderiam ajudá-la a sentir-se acolhida, menos solitária. Foi apresentada a mulheres de diversas nacionalidades, que, assim como ela, buscavam naquela cidade um local acolhedor para poder chamar de lar. Conversar com elas foi desafiador. A maioria já havia vivido muitos anos no exterior e trazia uma enorme bagagem de vida, aumentando ainda mais a sua ansiedade e o vazio que a perturbava.
Naquele mesmo dia, ao voltar para casa, sentiu-se pior do que antes de ir ao encontro. Para ela, as senhoras que conhecera eram extraordinárias, confiantes, decididas e autossuficientes, e, ao se olhar no espelho e ver o próprio reflexo, a única coisa que conseguia observar era uma senhora de meia-idade acima do peso e sem nenhuma autoestima. Seu olhar se entristeceu, afundando-a, ainda mais, em um poço de lamentos. A alta expectativa que criara para aquele momento tivera resultados desastrosos e, a cada dia que passava, ela mergulhava ainda mais em uma tristeza agonizante.
Em uma tarde quente de verão, Radhika havia terminado de preparar o jantar: arroz biryani com vegetais. A casa cheirava a curry, canela, cravo e cominho. Finalizava a limpeza da cozinha quando a campainha tocou. Viu tratar-se de uma conterrânea, que conhecera há poucos dias. A senhora trazia nas mãos um bolo caseiro, receita tradicional da sua terra. Elas mal se conheciam. Sem ânimo para receber visitas, por pouco Radhika fingiu não estar em casa, mas sentiu pena da mulher que se dispusera a ir até lá levar-lhe um pouco de conforto.
Enquanto organizava o bolo em uma travessa e preparava um café, Sharmilla lhe contava sobre rotina na cidade. Radhika a ouvia superficialmente. Não tinha interesse em saber sobre a sua vida; mas, das dezenas de atividades as quais ela listou, uma lhe cativou, fazendo com que prestasse mais atenção à conversa. Sharmilla executava trabalho voluntário em um instituto e, ao notar o interesse de Radhika, convidou-a a conhecer a instituição.
O Instituto Nuevo Amanecer era um local onde crianças, jovens e adultos com paralisia cerebral recebiam assistência integral. Os cuidados também se estendiam aos familiares, que lutavam diariamente para proporcionar uma melhor qualidade de vida aos seus entes queridos.
Às 11h30min da manhã de uma segunda-feira ensolarada, Radhika saiu de casa para encontrar-se com Sharmilla. Sentia uma mistura de sentimentos bastantes conhecidos: medo, expectativa e frustração por ter que sair de casa, sendo aquele mais um dia no qual gostaria de ficar vestindo pijamas.
No trajeto, ela pensava no pouco que Sharmilla lhe contara sobre o lugar onde trabalhava voluntariamente, na loja em que vendiam camisetas, cartões estampados, fitas personalizadas, entre outros produtos, tudo feito pelos próprios alunos e por professores do instituto.
Estacionou o carro e caminhou até a entrada principal, onde se encontraram. Dirigiram-se à loja e assim que ingressaram, Radhika foi apresentada à coordenadora do projeto, que fez questão de lhe explicar, com detalhes, como tudo funcionava naquele espaço.
Ao fundo do ambiente, um grupo de pessoas dava assistência a três pacientes que, com dificuldades diversas, pintavam cartões sobre um pedaço de papelão. No meio da sala, uma adolescente com sorriso empolgante deslizava sozinha sua cadeira de rodas. Sustentava no colo uma cesta de palha repleta de pacotes de chocolates os quais estava vendendo. Radhika comprou alguns chocolates da moça, que em troca lhe deu um carinhoso abraço.
Minutos depois, enquanto conversava com a coordenadora, Radhika foi convidada a ajudar naquele dia. Um voluntário que semanalmente trabalhava lá avisara que não poderia comparecer. O horário do almoço estava próximo e precisavam de ajuda para alimentar os pacientes que não conseguiam comer sozinhos.
Contagiada pelo ambiente, Radhika disse sim e acompanhou a senhora até o refeitório onde as crianças eram acomodadas. O sorriso em seu rosto refletia a sua satisfação em saber que, pela primeira vez desde que chegara, ela se fazia útil. E esse sentimento, além de novo, a animava.
Se sentou em uma cadeira diante de Sofi, uma menina de oito anos. Pequena para sua idade, a garota de cabelos negros não conseguia sustentar a cabeça e precisava de ajuda para mantê-la erguida. Não demorou para que alguém entregasse a Radhika o prato com a refeição de Sofi daquele dia, enviada pela mãe. O aroma da comida caseira contagiou o ambiente, abrindo o apetite de indiana.
Antes mesmo de começar a dar-lhe a refeição, Radhika percebeu que Sofi estava agitada. Chorava e balançava a cabeça em movimentos descontrolados. Ela tentava tranquilizá-la, dizendo as poucas palavras que havia aprendido em espanhol: “Calma, Sofi. Calma.”. Mas Sofi não parecia melhorar. Havia algo errado com a menina. Frustrada por não conseguir controlar a situação, Radhika questionou-se se estava fazendo algo errado, sentia-se insegura por sua falta de experiência. Uma profissional da instituição se aproximou para ajudar e concordou que Sofi se comportava de maneira diferente do habitual.
Em uma primeira tentativa, a senhora sugeriu que Radhika não oferecesse os brócolis: sua mãe insistia em enviá-los, mesmo sabendo que Sofi não apreciava o vegetal. Por um curto momento ela se acalmou, mas logo a agitação retornou e, dessa vez, mais intensa. Já não aceitava a comida, parecia furiosa toda vez que Radhika falava alguma coisa. Desesperada e sem saber como lidar com a situação, a indiana se levantou e entregou o prato de comida para que outra pessoa executasse a tarefa.
A professora se aproximou uma segunda vez e, por fim, notou o que incomodava a pequena Sofi. A menina estava empapada em suor. Imediatamente, tiraram a jaqueta que vestia e minutos depois, sentindo-se mais fresca, ela já estava calma. Parou de chorar, aceitou a comida sem resistência e Radhika foi capaz de alimentá-la.
Assim que terminou, Radhika se despediu e regressou ao carro, mas antes mesmo de ligá-lo chorou compulsivamente, como uma criança desamparada. Um choro sofrido, resultado da vergonha que sentia por ter se deixado deprimir por todos aqueles meses. Perguntava-se como era possível reclamar de sua vida, enquanto Sofi não conseguia nem dizer o que lhe incomodava. A menina não conseguia dizer à professora que estava com calor, para que, por favor, lhe ajudasse a tirar a sua jaqueta. Também não podia pedir à mãe que não colocasse brócolis em seu almoço, já que não gostava. Sofi, uma menininha de apenas oito anos, estava presa em um corpo que dificilmente melhoraria e precisava conviver com essa condição pelo resto de sua vida.
Radhika sentia culpa. Sabia que não tinha direito de sofrer de depressão. Precisou que Sofi lhe mostrasse quão afortunada ela era.
– Não mais! – Ela exclamou alto, enquanto enxugava o rosto com lenços de papel Kleenex.
Dias depois, ela se inscreveu como voluntária semanal no Instituto Nuevo Amanecer e voltou a se encontrar com Sofi, que aos poucos se acostumou com o tom de sua voz e com a sua companhia, ao mesmo tempo em que Radhika aprendia a decifrar seus anseios para poder ajudá-la.
A experiência com Sofi a transformou em uma mulher proativa e confiante. Passou a se envolver em outros projetos e, dois anos depois, tinha certeza de que a maior beneficiada daquela relação havia sido ela própria, já que a menina Sofi, com sua limitada capacidade física, fora capaz de resgatá-la do tenebroso abismo no qual se encontrava.

Veja o conto narrado no canal do Youtube
Lindo conto!!!
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Você está uma ótima contadora de histórias. Sempre melhor com o tempo. A expressão, o movimento das mãos, são bem cuidados. Parabéns.
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História linda e emocionante. Uma bela lição de que certos problemas se tornam insignificantes , qdo nos deparamos com problemas verdadeiros
Parabéns!
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