A Ignorância Protege, já a Curiosidade…

Ao longo da vida, em diversas ocasiões, escutei e utilizei o termo: “a ignorância protege”. Constantemente nos deparamos com situações que nos fazem acreditar que, se tivéssemos conhecimento prévio sobre certas coisas, não as enfrentaríamos. O fato é que isso é a pura verdade, apesar de ser uma expressão pouco simpática. 

Muitas ações do nosso cotidiano somente são tomadas pela falta de conhecimento dos perigos pertinentes ou das consequências que são desencadeadas. Muitas vezes acabamos nos arrependendo. Outras vezes, sentimos alívio por só sabermos dos riscos posteriormente. E há ainda aquelas situações as quais, quando descobrimos o que estava por trás, garantimos que nunca mais repetiremos.

Posso descrever algumas dessas ocasiões, como transitar por uma área insegura e não perceber que existem riscos. Desconhecer a cozinha dos restaurantes, que, muitas vezes, é um ambiente condenável pela vigilância sanitária. Ou como esquecer o inigualável mate com limão, de bujão, vendido nas areias das praias cariocas. O fato de visualizar os cilindros de aço somente por fora é a garantia de desfrutar com tranquilidade o refrescante líquido. 

Em certa ocasião, quando ainda vivia no Rio de Janeiro e trabalhava no centro da cidade, com frequência tomava meu café da manhã em uma “birosca” perto do trabalho. Era uma lanchonete onde serviam o tradicional desjejum: pão na chapa e média (café com leite). Como estava sempre de dieta, dava-me ao luxo de comer o delicioso pão na chapa com manteiga somente uma vez ao mês, afinal, não podia furar meu compromisso “fit”. Diariamente, o que escolhia era uma vitamina de morango com leite. 

Sempre seguindo a dieta à risca, mesmo sabendo que o leite usado na vitamina muito possivelmente era o integral, não condenava a minha refeição, pois o morango compensava a tabela nutricional por ser a fruta com menos calorias dentre as opções. Ficava satisfeita com meu café da manhã e a verdade é que me deliciava com a vitamina espessa que me era oferecida. Tomava-a com prazer, saboreando cada mililitro, afinal, meu almoço nunca era tão apetitoso quanto aquela vitamina matinal. Felizmente, minha ignorância me protegeu por muitas semanas, quando repetia a mesma rotina a caminho do trabalho. De tanto frequentar o local, já conhecia o atendente e nos cumprimentávamos pelos nossos nomes.

Um dia, escutei a seguinte frase relacionada a dietas: “se colocar na boca e gostar, cospe porque engorda”. Tal sentença me fez questionar o nível calórico de minha vitamina diária, e na oportunidade seguinte lhe perguntei qual era o segredo da iguaria, justificando a minha curiosidade ao fato de que o sabor era diferente do da versão caseira. A minha não era tão boa quanto a que eu tomava lá. Ele me respondeu sem constrangimento e orgulhoso em compartilhar o diferencial que o destacava da concorrência: “Ah, dona Luciana, o segredo é o leite condensado”. 

Meu coração acelerou e cheguei a perder o fôlego ao escutá-lo pronunciar tais palavras. Me imaginar consumindo duas colheres de leite condensado, todos os dias, pelos últimos dois meses era desolador.  Deixo claro que nunca mais consegui pedir a vitamina de morango.

A ignorância protege!

Anos depois, um fato similar aconteceu. Vivendo no México, frequentávamos com regularidade um restaurante, o nosso predileto na cidade. Sem variar o cardápio, pedíamos sempre a mesma coisa: carne e risoto de queijo parmesão com “chile poblano” (uma espécie de pimentão picante típico do país). Um dia, eu novamente seguindo uma dieta com limitações calóricas, fomos almoçar lá. Antes mesmo de sair de casa, já avisei que naquele dia não comeríamos o risoto. Estava de dieta! Pediríamos a carne, mas a guarnição seriam legumes grelhados. 

Meu descontentamento por comer legumes no almoço de domingo durou somente até eu provar os vegetais que, diferentes dos que fazia em casa, eram apetitosos. Me deliciei com os brócolis, com a couve-flor e a beterraba. Me chamou atenção o fato de ter apreciado a beterraba, pois nunca fui fã da raiz, mas esse “chef” era espetacular e a havia preparado de maneira ímpar. Comi lambendo os beiços. Depois de ter finalizado o almoço, a sabedoria nutricional aprendida anos antes me veio à cabeça. Resolvi investigar o segredo que deixava os legumes tão saborosos. Afinal, os preparados em casa nunca faziam tanto sucesso como aqueles. “Ah, dona Luciana, o segredo é que grelhamos os vegetais embebidos na gordura do porco”. 

Tal revelação novamente estimulou meus batimentos cardíacos, ao tomar conhecimento da ingestão de banha de porco em meio ao processo da dieta restritiva. A ignorância me protegeria se não eu não fosse tão curiosa! A partir de então, tomei uma sábia decisão. Não perguntaria mais nada. Escolhi ficar na ignorância, porque ela sim me protege.

Se quiser ter acesso ao video dessa crônica narrada acesse aqui:

5 respostas para “A Ignorância Protege, já a Curiosidade…”.

  1. Verdade, a ignorância protege!!! Muito boa.

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  2. Avatar de Eloha Quadros de Brito
    Eloha Quadros de Brito

    👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏
    Muito bom Luciana . Tudo que tem no texto é a pura verdade do nosso dia-a-dia.
    Sim, melhor mesmo é continuar “ignorando, o que não nos convém saber.”
    Gosto mto da tua simplicidade de abordar os fatos
    Parabéns

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  3. Avatar de Arnaldo Pereira Ferraz
    Arnaldo Pereira Ferraz

    Gostei. Ultimamente tenho me deliciado com alimentos preparados com banha de porco. A idéia dos legumes então vai ser o meu futuro daquí pra frente. Boa idéia!

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  4. Avatar de Regina Bellizia
    Regina Bellizia

    Pois é…como já te falei sofri com a banha de porco na Alemanha…usam até no arroz…

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  5. Avatar de Luciano Gnone
    Luciano Gnone

    Muito bom. Foi direto ao ponto. Outro que gosto muito é: “o que os olhos nao veem, o coração não sente”. Basicamente, quando os ditos cujos são de outrem. Melhor ainda quando são das nossas mães até a nossa adolescência.

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