
Quando meus pais se separaram, eu tinha apenas cinco anos de idade. Não! Este não é um texto de lamentos e de lembranças ruins. Para ser bem sincera, o fato não foi traumático para mim. Aliás, pouco me lembro de como tudo isso aconteceu. Os poucos flashes que tenho dos meus primeiros anos de vida são semelhantes a um filme editado, no qual, em dezembro de 1980, ainda vivendo em Brasília, me encontrava assoprando as cinco velinhas do meu bolo de aniversário e, na cena subsequente, minhas lembranças avançam para algum momento do ano seguinte quando, já vivendo no Rio de Janeiro, escutava o barulho de balas de menta chegando na varanda do nosso apartamento no primeiro andar, que se localizava em cima do restaurante Marius, no Leme. Como éramos clientes assíduos, o garçom que nos atendia costumava arremessar dezenas de confeitos sempre que chegava para trabalhar.
Assim que nos mudamos para a nova cidade, já era esperado que o convívio com o meu pai se limitaria a férias e algumas visitas que ele nos fazia. Mesmo sem ter muitas memórias desses encontros, houve uma dessas ocasiões que ficou marcada tanto para mim, quanto para ele, mas este relato farei mais adiante.
Não sei se era moda, mas na minha escola, além de mim, vários amigos também viviam a mesma experiência de terem os pais separados e, em sua totalidade, as crianças viviam com as mães durante a semana e a cada 15 dias passavam o final de semana na casa dos pais. Essa rotina gerava conversas de corredor bastante interessantes, sobre as quais, na época, me faltava discernimento para concluir que todos os pais sofriam do mesmo mal: a síndrome do pai separado.
Diferentes de mim, meus amigos conviviam com mais frequência com seus pais, pois viviam na mesma cidade, circunstância de me causar inveja. Aos oito anos de idade, saber que meus amigos conseguiam tudo o que queriam com o pai era motivo de cobiça. Todas as segundas-feiras, ainda nas primeiras horas do dia escutava a mesma narrativa, de um ou de outro amigo. “Sabem o que o meu pai me deu?”, relatos variados de conquistas sobre o tênis da moda ou o aparelho de walkman recém lançado, até mesmo a sonhada mochila jeans da loja Company.
Sempre era o pai que arrematava o desejo do filho. Talvez tais atitudes pudessem refletir uma culpa inconsciente gerada por sua ausência diária ou, por que não, uma tentativa consciente de “comprar” o amor do filho. O fato é que o resultado era desastroso, principalmente para as mães, que, ao recriminar o desempenho paterno, tornavam-se de imediato as vilãs das relações.
Eu, que sempre escutava essas histórias mas nunca tinha a minha, precisava dissimular a frustração por não ter a mesma oportunidade que eles tinham. Em uma manhã, recebi a notícia de que meu pai viria nos visitar no final de semana. Pensei com os meus botões e decidi que neste encontro também tiraria vantagens da síndrome do pai separado, mesmo sem perceber que realmente existia uma conduta padrão dos genitores masculinos.
Nessa época, meu pai acreditava que precisava sair cada noite com uma filha diferente, para que pudesse se conectar com cada uma de forma plena. Minha irmã mais velha, além de mais atirada, já estava em uma idade na qual podia manter uma conversação natural com ele, e sempre que saíamos juntas monopolizava a sua atenção. A irmã do meio, a mais tímida, nunca falava mesmo e eu sempre fui faladeira, mas aos oito anos a diversificação dos temas era bem limitada e pouco interessante.
Na minha noite, ele me buscou em casa. Ainda na portaria, me perguntou onde eu queria ir. Focando no meu objetivo de conseguir tudo o que queria, comecei logo arrasando: “quero ir ao McDonald´s”. Para minha felicidade, ele concordou. Seu aceite foi a primeira certeza de que o meu pai sofria da mesma síndrome dos pais dos meus amigos. Me achei vitoriosa, afinal, jantar no McDonald´s já era uma verdadeira conquista.
Depois de comer um Big Mac, uma batata frita grande e um refrigerante, ele me perguntou se eu queria mais alguma coisa e se surpreendeu com minha resposta positiva. “Tem certeza, filha?”, ele perguntou preocupado, antes de seguir ao caixa para comprar um sundae com calda extra de chocolate. Não recusaria a oferta. Minha mãe nunca nos levava para comer na famosa franquia americana recém-chegada ao País. Naquele momento, tive a segunda prova de que meu pai sofria da mesma síndrome.
Na volta para casa, ao passar em frente a uma loja de sucos, me deu vontade de comer o que mais amava quando criança e sem nenhuma vergonha eu pedi uma vitamina de abacate. Surpreso, ele me fez a mesma pergunta pela segunda vez naquela noite: “tem certeza, filha?!”. Eu confirmei sem pestanejar, não ousava perder a oportunidade de ouro que tinha à minha frente.
Enquanto caminhava e tomava a espessa vitamina de abacate, me sentia realizada, havia conseguido comer tudo o que queria em uma única noite. Meu pai havia se tornado um herói. Minha mãe nunca permitiria tal maluquice, mas, pouco tempo depois de consumir a encorpada vitamina, meu estômago começou a se revirar e, na ânsia de encontrar um local apropriado para que eu pudesse me desfazer da exorbitância ingerida, meu pai me conduziu a um restaurante, que, pela hora, já tinha as portas semifechadas.
Sem entrar em detalhes, até por respeito a vocês leitores, o que posso dizer é que saímos fugidos do estabelecimento após o meu alívio estomacal e tivemos a certeza de que por um bom tempo não poderíamos passar por ali.
Eu, que antes do encontro com meu pai já me imaginava contando minhas extravagâncias do final de semana aos meus amigos, tive que me conter, pois o desfecho da minha história não havia sido tão glamoroso como as histórias dos demais.

Hahaha
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Kkkkkkkk
Boa história mas o final teria mesmo que ser cortado
Moral da história: “Se seus pais forem separados, nunca vá encontrá-lo de estômago vazio”
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Aos poucos oe contadores de histórias vão se revelando para o público. E isso é muito bom para o leitor pois mostra que pessoas bem resolvidas passaram por situações com as quais muitos se identificam.
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Mais uma ótima história contada com muito humor e leveza!
Bjs
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