“Nana, olha que estranho! Todos os quadros em que você aparece estão tortos. Será que você vai morrer essa noite”?
Essa pode parecer uma frase mórbida e trágica, mas não passa de uma pegadinha entre irmãs. Deixe-me explicar, antes que você desista de ler o restante do texto, com receio do que vem por aí.
No início dos anos 1980, falei essa frase para minha irmã Adriana, quatro anos mais velha do que eu. Na época, eu deveria ter uns oito anos e ela uns doze. Com a minha pouca idade, já tinha discernimento para planejar, executar e concluir a tal pegadinha. Apelei para a tortura psicológica, já que, com a idade que tinha, a força física não era minha maior fortaleza. Essa foi a maneira que encontrei para me vingar das inúmeras brigas que, periodicamente, atormentavam o nosso lar e nas quais claramente levava desvantagem.
Morávamos em um apartamento de dois quartos, e eu e minhas duas irmãs dividíamos um deles. Lembro-me bem de que duas das quatro paredes do ambiente eram repletas de quadros com nossas fotografias emolduradas. O exagero dos tradicionais pôsteres era o resultado de uma promoção, que não acabava nunca, da Deplá, a mais tradicional loja de revelação fotográfica da época. A cada filme de 36 poses, o cliente podia escolher ampliar uma das imagens do rolo, que era impressa sobre uma base de MDF.

Em uma determinada noite, me aprontei para dormir pouco antes dela. Entrei no quarto apressadamente, tinha uma missão a cumprir: entortar todos os quatros da parede nos quais ela aparecesse. Deitei-me na cama e fiquei à espera de que ela chegasse. Ela entrou no quarto, se acomodou e, antes de apagar as luzes, pronunciei a macabra citação que abriu este texto. Apesar de sua reação de desdém, demonstrando tranquilidade com a absurda coincidência, hoje em dia ela confessa que passou a noite inteira preocupada, com medo de que algo realmente fosse acontecer.
Poderia passar dias escrevendo nossas memórias de infância e relatando outras diversas situações diabólicas as quais uma aprontava para a outra, afinal acho que os irmãos passam a infância elaborando travessuras para aplicar uns contra os outros. Mas não só de gaiatices vive uma relação fraternal. Guardo com um imenso apreço os momentos de carinho que recebi das minhas duas irmãs mais velhas.
Lembro-me também da páscoa de 1981, quando tinha cinco anos de idade. Elas me acordaram e estavam vestidas de coelhinho. Carregavam uma cesta repleta de ovinhos de chocolate. Na verdade, talvez a cesta nem tivesse tantos ovos quanto minha memória evidencia, mas seguramente a emoção que senti naquela manhã foi responsável pela deliciosa lembrança que carrego até hoje.
A crônica de hoje é sobre a relação “bipolar” que os irmãos adoram e cultivam. Um vínculo de amor e ódio, mas que, seguramente, é muito mais de amor do que de ódio. Na minha opinião, um dos maiores benefícios dessa relação é a sinceridade. Irmãos são capazes de falar “você está horrível com essa roupa, e seu perfume fede a esterco”, sem que isso afete a relação entre eles.
É verdade que, na infância, as brigas são muito frequentes, mas à medida que os anos passam e a maturidade chega, o relacionamento passa a ser harmônico, uma união de respeito e admiração. É claro que os desentendimentos continuam existindo, afinal as pessoas, mesmo criadas juntas, pensam diferentemente e isso que é o bacana.
A relação entre irmãos é pura, genuína, saudável. Uma conexão inexplicável a qual os torna capazes de sentir quando estão bem ou não, se estão precisando de ajuda, seja ela física, seja somente de uma palavra de conforto. Basta um único sinal de que alguma coisa não está bem para que se large tudo para acudi-lo. Independentemente da distância com que as vidas são traçadas, os irmãos estão ligados por uma espécie de energia cósmica, um campo magnético, que talvez tenham adquirido no útero materno.
Alguns dias atrás, estava observando meus filhos. Assim como tantos outros irmãos, eles passam o dia implicando um com o outro. Aqui em casa, na maioria das vezes, é o mais novo que incita os momentos hostis – talvez seja esta uma característica de irmãos mais novos, afinal, eu também era assim. O fato é que estávamos finalizando a refeição, cada um em uma extremidade da mesa, e começaram um leve bate-boca. Ao mesmo tempo em que os dois discutiam, o mais novo interrompeu a briga, em uma espécie de “pausa”, para alertar o mais velho sobre um pernilongo que o estava rondando. Tal atitude me chamou atenção, comprovando mais uma vez que o sentimento de amor e ódio entre irmãos é a coisa mais saudável e graciosa que existe.
Dizem que o espírito, antes de nascer, escolhe os pais. As pessoas que o trarão ao mundo e que serão responsáveis por sua formação e segurança. Mas desconfio que, igualmente aos pais, os espíritos escolham também os seus irmãos. Aqueles que os acompanharão em suas trajetórias terráqueas. Minhas irmãs são os elos mais verdadeiros que integram a corrente da minha vida.

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Adorei o texto. Te amo muito💕
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Obrigada Nana, te amo muito também.
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Que lindo Luciana!!!
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obrigada mãe. um beijo
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Muito bom relembrar essas histórias por meio dos seus textos tão bem escritos que retratam as situações de forma sublime. Adorei! Te amo ❤️
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Obrigada Chris te amo muito
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Lindo!!!!
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Obrigada tia.
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Oi Luciana, adorei esta crônica e é bem assim. Irmão é uma coisa sagrada! Amo os meus. Bj
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Obrigada pelos comentários Tanizia. Sem dúvida é uma relação sagrada.
Abraços
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Me parece que brigas entre irmãos podem ser pedagógicas quando acabam bem. Em famílias bem estruturadas como as nossas ficam apenas as lembranças para serem recordadas.
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Claro, sempre quando acabam bem. Graças as elas nossas relações são fortalecidas.
Obrigada pelo carinho de sempre.
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Lindo Lu!!!
Ótimo registro dos acontecimentos familiares que ficarão guardados para sempre.
Bjs
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Obrigada Lelena. Verdade essas recordações trazem muitas reflexões. Beijos
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