Jardim de Cogumelos

Em um determinado dia, ainda muito cedo, saí para passear com minha cachorrinha, rotina que faço diariamente. Era uma época chuvosa e, naquele período do ano, sempre podia observar diferentes vegetações que surgiam inesperadamente pelos jardins alheios. 

Passeando pelo condômino, enquanto minha cachorra me puxava, me chamaram a atenção uns cogumelos que brotavam timidamente no canteiro em frente de uma das casas. Uma dezena de cabecinhas brancas nasciam formando um curioso jardim. No dia seguinte, seguindo a mesma rotina, Lola e eu passeávamos pelo mesmo local, quando notei o impressionante avanço no crescimento dos fungos. Os píleos (chapéus) já tinham suas formas arredondadas e as dezenas de unidades espalhadas lembravam um cenário diretamente de um filme dos Smurfs e, com um pouco de imaginação, conseguia ver o Gargamel correndo atrás das pequenas criaturas azuis.

No terceiro dia, os cogumelos estavam ainda maiores, mais altos, abertos e bonitos. Tive vontade de tirar uma foto: o jardim de cogumelos era divinamente curioso e uma fotografia seria perfeita para registrar o momento.  Percebi que não carregava o meu celular e pensei em buscá-lo, mas para quê, “se amanhã estarei fazendo o mesmo trajeto”. Não havia pressa, no dia seguinte, ao passar pelo mesmo local, satisfaria meu desejo.

Na manhã seguinte saí animada de casa e chequei o meu bolso, para confirmar que trazia o meu celular. Diferentemente dos outros dias, essa manhã era eu quem puxava a Lola. Estava curiosa para saber o tamanho dos cogumelos, uma vez que seu crescimento, de um dia para o outro, era sempre uma surpresa empolgante. Precisava registrá-los, afinal, havia feito muita propaganda para a minha família. Mas, ao chegar no local, eles já não estavam lá. Fui dominada por uma sensação ruim. Uma frustração por ter perdido a oportunidade que, por três dias, havia se escancarado à minha frente. Desconhecia o ciclo de vida dos fungos e não sabia que duravam tão pouco; agora, havia somente resquícios de que um dia eles estiveram ali. 

O episódio dos cogumelos me fez refletir sobre as dezenas de oportunidades que perdemos ao longo de nossas vidas, por termos a falsa certeza de que teremos outra chance. Que arrogância é essa, que nos faz acreditar que o mundo gira ao nosso redor? Que pessoas e situações estarão a nossa disposição para quando nós estivermos prontos para resolver o que quer que seja. 

A ideia de que temos o dia de amanhã para resolver nossas pendências de hoje é utópica. Acreditamos na realidade fantasiosa de que estamos no controle de nossas vidas e de que seremos capazes de alcançar tudo o que desejamos no momento que consideramos mais apropriado. Mas a vida nos mostra que o jogo não é bem assim, que não temos controle algum sobre ela e que precisamos saber aproveitar todos os minutos que nos são brindados.

Situações cotidianas as quais estamos acostumados a vivenciar: um pai que esperou demais para dizer “eu te amo” a um filho, um chefe que não aproveitou o tempo para se desculpar pela grosseria contra um funcionário. Um filho que aguarda o momento certo para dizer “me perdoe”. Quantos outros episódios como esses serão necessários para aprendermos a nos movimentar enquanto ainda há tempo.   

Um dos maiores pesares que tenho é de não ter feito as pazes com uma amiga de infância a tempo de ela estar presente no dia do meu casamento. Uma briga tonta, que nos afastou. Por anos, a isolei de minha vida e, o pior de tudo, achando que eu estava com a razão. Felizmente, consegui enxergar a tempo o mal que esse desentendimento me causava e me enchi de coragem para procurá-la anos mais tarde. Nos reconciliamos e voltamos a ser amigas como se nada tivesse acontecido. A amizade e o respeito, hoje em dia são ainda maiores, há anos somos parceiras em vários projetos e sei que sempre poderei contar com ela. 

Sinto um verdadeiro alívio por ter conseguido resolver essa história, mas não há nada que eu possa fazer para apagar o passado e o caminho que tracei, ao deixar passar tanto tempo para resolver o mal-entendido. Por esse motivo, ainda carrego a dor de não tê-la convidado para testemunhar um dos momentos mais importantes da minha vida.

Faça um exercício: pense em pessoas que você magoou, ou que te magoaram, e não espere o momento certo para pedir perdão ou para perdoá-las. As incertezas da vida podem tirá-las de seu caminho, de um dia para o outro, deixando um vazio, um arrependimento impregnado na alma. Não perca tempo e aproxime-se delas, não deixe o orgulho boicotar os seus anseios, seja sempre proativo. Existem infinitas coisas sobre as quais não temos controle e, para essas, não há o que fazer, mas há outras tantas que, sim, estão ao nosso alcance, então, aproveite para controlá-las.  

Somos 100% responsáveis pelos nossos atos. Não perca a chance de fotografar o seu jardim de cogumelos. O melhor momento é sempre agora.  

Obs: A foto dos cogumelos desse “post” foi tirada oito meses depois da história narrada, quando novamente eles surgiram no jardim próximo a minha casa.

18 comentários em “Jardim de Cogumelos

  1. Simples e belo conto , que comparado a situações da nossa vida , “ encaixa” direitinho e nos diz mto.
    “ não deixe para fotografar seus cogumelos amanhã, pois talvez seja tarde”
    Parabéns !

    Curtido por 1 pessoa

  2. Lu, adorei a crônica. Uma lição de vida! A gente não pode mesmo deixar nada importante para trás. Que muitas pessoas possam ler e apreciar seu texto. E que sirva de reflexão para muitas pessoas! Parabéns!

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