Desatenção Seletiva

Crônica de Sábado

Semana passada, fui ao supermercado com meu filho de 16 anos. Para agilizar o processo das compras, enquanto estava no fila dos frios, pedi para ele que fosse pegar algumas coisas da lista.

Minutos mais tarde, dos três produtos solicitados, ele regressou carregando apenas dois. O terceiro, que era o suco de laranja, ele garantiu que estava em falta. Olhei com desconfiança, sabendo que se tratava de um artigo que raramente faltava; alguma coisa me dizia que ele simplesmente não o havia encontrado. Imaginei-o parado na frente da geladeira de sucos, passando os olhos por todas as opções sem perceber que a que procurava estava entre elas. Perguntei se ele tinha certeza da falta, se havia procurado no lugar certo e ele, sem paciência, insistiu que sim. 

Não estava convencida disso e, antes de ir ao caixa, resolvi confirmar se realmente o suco estava esgotado. Ele me recriminou e me chamou de sexista quando justifiquei minha atitude com o fato de que os homens nunca acham nada. 

É bastante comum o assunto ser inserido em conversas de amigos, gerando calorosas e animadas discussões, e até mesmo muitas piadas são feitas explorando a falta de atenção que os homens têm com a vida doméstica. Mas será que realmente temos conceitos discriminatórios, ou os nossos anos de convívio conjugal nos dão credibilidade para afirmarmos que a distração masculina é real? 

Minha teoria é que existem três tipos de situações para explicar essa distração e garanto que o sexismo não está inserido em nenhuma delas.  

A primeira situação, a chamo de “disfarce de conhecimento”. É quando o homem, apesar de executar o favor que lhe é solicitado, finge não encontrar o que lhe foi pedido. Isso serve para que a mulher, depois de um tempo, desista completamente da sua ajuda, uma vez que sabe que, não alcançando os resultados esperados, ela terá que refazer a tarefa. Na prática, ela pede a primeira vez, logo vem a segunda tentativa, seguida da terceira, da quarta e assim por diante. O “disfarce de conhecimento” é uma técnica arriscada para ele, pois a mulher pode seguir adiante e nunca ceder, passando a vida toda lhe pedindo favores, mesmo tendo o dobro de trabalho, mas, se ela cair na armadilha do marido e desistir de sua ajuda, ele ganha o passe vitalício para o sossego.

A segunda hipótese é a chamada “distraído nato” e descreve exatamente o que o nome sugere. O homem simplesmente nasceu desprovido de atenção. Nesse caso, a mulher já assume que ele nunca saberá a localização exata dos utensílios da cozinha e passará a vida toda abrindo todas as gavetas para procurar o que busca. O lado bom dessa situação é que tanto ela, quanto ele, vivem em paz e harmonia, pois ela sabe que essa é uma característica genuína dele. 

A terceira é a opção que considero a mais perigosa e a chamo de “desatenção seletiva”. Nesse caso, o homem só se atenta para o que lhe interessa e tudo aquilo que fugir a essa regra é simplesmente abstraído por ele. Se a mulher grita do banheiro para que ele lhe leve um rolo de papel higiênico, ele perguntará onde está guardado. Em outra situação, se ela estiver amamentando o filho e pedir uma fralda de pano para o bebê arrotar, o marido irá ao quarto do filho e perguntará onde está. Entretanto, a cerveja ele sabe exatamente onde guarda e, até mesmo sem olhar, sabe de cabeça o estoque da casa.

Situações curiosas acontecem com o casal que vivencia uma relação com essas características. Ele passa longos minutos olhando e procurando alguma coisa na despensa, enquanto ela está cozinhando sem poder parar. Se ele se propõe ir ao supermercado, a lista de compras precisa ser especifica e detalhada, com nome do produto, marca e até mesmo número de série se for possível; caso contrário, se não achar o item desejado, ele agarra qualquer outro similar achando que isso resolverá. 

Ao mesmo tempo, sua capacidade de observação torna-se extraordinária quando sente falta de algum instrumento em sua caixa de ferramenta, ou quando percebe um minúsculo raspão no seu carro. O mistério é ainda maior quando ele avista um item desconhecido no guarda-roupas de sua mulher e a observação é sempre acompanhada da pergunta “Isso é novo?”. 

Homens com essas características têm habilidades de observação bipolares, um enigma que ainda precisa ser desvendado por estudiosos. 

Voltando à situação do início dessa crônica, de quando fui ao supermercado com meu filho, gostaria de esclarecer o que encontrei quando resolvi verificar se havia ou não o suco de laranja. Naquele dia, ele prestou atenção e realmente o produto estava em falta. Tive que escutá-lo dizer “eu te falei, mãe!” e muitos de vocês irão exclamar: “Está vendo! Existem homens que prestam atenção!” Pode até ser que eles existam, mas no seu caso precisarei de um pouco mais de evidência, já que o suco de laranja era interesse exclusivo dele.

Luciana de Gnone

14 comentários em “Desatenção Seletiva

  1. Até que me sinto bem com as duas últimas: Distraido nato e Desatenção seletiva. E vamos em frente que atrás vem gente.

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  2. Perfeita a sua teoria! Aqui em casa convivo com o “distraído nato” agravado pela “desatenção seletiva”. Hahaha

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